A fábrica alemã acompanhou de perto os primeiros passos da categoria e escalou
um de seus principais executivos para ficar de olho, mas ele sumiu da história.
Por Fernando Santos
A Volkswagen está presente no nome da categoria mais popular do automobilismo mundial há mais de 60 anos. Mas sua participação na criação da Fórmula Vee é cercada de mistérios, apoios não-oficiais e até mesmo com veto à utilização da marca nos primeiros carros que foram construídos. E um dos principais executivos da empresa, que acompanhou tudo de perto, de forma surpreendente foi excluído da história.
Por se tratar de uma das maiores empresas do mundo, é compreensível que a VW tenha visto com cuidado e restrições o início da VW. Afinal, seu nome estava em jogo no mercado automobilístico que viveu uma explosão nos anos 1950/1960.
Nesta época, a Volkswagen iniciou sua invasão no mercado americano, justamente onde nasceu a FVee. Os EUA começaram a importar os primeiros carros através do empresário austríaco Maximilian Edwin Hoffman, no final dos anos 1940. Ele é considerado um dos mais influentes nomes do comércio de carros na história americana e está no Automotive Hall da Fama, que inclui Henry Ford, Enzo Ferrari, Hervey Firestone, entre outros figurões.
Max Hoffman, que também foi piloto de corridas até os anos 1930, se estabeleceu em Nova York depois da Segunda Guerra Mundial. Após começar a trabalhar no comércio de joalherias, ele passou a dominar a importação de carros, principalmente modelos de luxo e esportivos como Mercedes-Benz, BMW, Alfa Romeo, Healey, Jaguar, MG, Porsche, Fiat e, claro, Volkswagen, de acordo com reportagem publicada pelo The New York Times.
No meio do automobilismo, ele era conhecido por monopolizar a importação de carros e peças, o que tornava, sem concorrência, os custos elevados. Mas Hoffman, de acordo com o Times, ainda cometeu o que ele considerou um de seus “poucos erros” na vida empresarial: desistiu e perdeu a autorização da Volkswagen para importar carros após um início não promissor na venda de Beetles - os Fuscas que logo se tornariam um fenômeno de vendas nos EUA e em todo o mundo.
A grande ideia de Mr. B
A saída de Hoffman e o interesse em se tornar um representante da VW nos EUA abriram o caminho para o surgimento da Fórmula Vee. O empresário Hubert L. Brundage era um dos pretendentes a assumir o negócio com os alemães. Ele havia deixado seu emprego na Pan American Airways para montar uma promissora loja de ferramentas em Miami e uma equipe de carros corridas, que se tornaria famosa com a marca “Brumos”. Ele também competia com MG e Porsche.
Conhecido como Mr. B, Brundage tinha um olhar atento ao mercado automobilístico e percebeu o crescimento da VW nos EUA. Foi então que passou a escrever insistentemente para a sede da empresa na Alemanha, pedindo para se tornar um distribuidor da marca, conforme relatou seu filho, Jan Brundage, em entrevista para a revista Grassroots Motorsports.
A forma como Brundage fechou seu primeiro negócio com a VW é curiosa. O empresário americano estava disputando uma prova em Sebring quando percebeu que um homem de terno, vestimenta incomum em meio ao forte calor da Flórida, o abordou, tocando com o seu guarda-chuvas. O homem era Wil Van de Kamp, executivo da Volkswagen que havia viajado da Alemanha para fechar negócio com o americano. A reação de Brundage foi ainda mais inusitada: “Fale comigo na segunda-feira, você não vê que estou no meio de uma corrida?”, disse, segundo relatou o seu filho anos depois.
O acordo foi fechado naquela segunda-feira, quando Brundage se tornou o revendedor oficial da Volkswagen na Flórida, Geórgia e Carolina do Sul. Como bônus na operação, ele também recebeu os direitos de importação da Porsche para outros sete estados americanos.
O enigmático Jo Hoppen
Na imagem acima, o alemão Josef Hoppen, executivo da VW que acompanhou o americano Hubert L. Brundage na criação da Fórmula Vee (crédito: Reprodução do livro "Fórmula Vee e Super Vee – A História de um Sucesso Mundial nas Corridas"), seguido da foto do lado modelo original de um Fórmula Vee datado de 1965, em exibição no Museu Volkswagen, em Wolfsburg, na Alemanha (crédito: Museu Volkswagen).
Brundage continuou competindo, principalmente com seu Porsche e algumas vezes de Fusca também. Foi quando conheceu o nome mais enigmático na história da Fórmula Vee: Josef Hoppen. Este alemão começou sua carreira trabalhando no departamento de competições da Porsche. Ele foi para os EUA em 1957, levando sua experiência em mecânica Porsche e VW. Jo Hoppen começou a trabalhar na concessionária Elwood Motor Cars, em Daytona Beach, também na Flórida, onde se destacou na preparação dos carros de corrida do dono da revendedora.
Hoppen e Brundage se tornaram rivais e também amigos. Com maior conhecimento na mecânica Porsche, o alemão transformou o americano em seu freguês nas pistas. Mas a disputa só ajudou a aumentar o interesse de Brundage pelos componentes germânicos. Este relato consta no livro “Formel Vau und Super Vau - Die Geschichte eines Rennsport-Welterfolges” (Fórmula Vee e Super Vee – A História de um Sucesso Mundial nas Corridas), lançado em 2016 por Dr. Frank Orthey e Thomas Kessler. Os autores ainda contribuem atualmente com a promoção e organização de provas de FVee na Alemanha.
O encontro entre os dois não foi, como chegou a ser descrito, por acaso. O portal oficial da Formula Vee na Alemanha, www.formel-vau.eu, relata que a categoria nasceu do trabalho conjunto de Josef Hoppen e Hubert L. Brundage. Segundo o site alemão, os dois desenvolveram juntos o novo modelo de um Fórmula Júnior, a principal categoria monoposto na época nos EUA, e que viria a se tornar o primeiro FVee da história.
Brundage já buscava uma maneira mais econômica de competir. E viu nas peças VW o caminho para realizar competições menos dispendiosas. Neste processo, é provável que ele tenha envolvido o alemão Hoppen, graças a seu conhecimento e habilidades com a mecânica alemã, o que justificaria sua participação no surgimento da Fórmula Vee.
Na história da FVee, consta que partiu de Hubert Brundage a encomenda na Itália do primeiro carro da categoria. O pedido foi feito a Enrico Nardi, um projetista renomado e com passagem pela Ferrari. E o que fez o italiano: utilizou peças Fiat. Mr. B imediatamente mandou trocar tudo e exigiu a utilização de material original VW, sem que exista uma explicação se foi por desejo pessoal ou se havia alguma influência/determinação da fábrica alemã (Hoppen?). Mas mesmo após os ajustes, os primeiros carros usados em competições nos EUA foram uma decepção: eram lentos, pesados e facilmente batidos.
É quando o nome de Josef Hoppen desaparece momentaneamente da história da Fórmula Vee, justo nesta hora H. Ele já havia se mudado para New Jersey, sede da VW nos EUA, onde se tornou um dos principais executivos da empresa.
Um dos primeiros modelos de FVee criado pelo italiano Enrico Nardi (crédito: The Brundage Archive).
O veto de Wolfsburg
Isso acontece exatamente quando a VW teve sua primeira interferência direta na FVee. E de forma a não ter nenhum vínculo com a nova categoria. A montadora acompanhava de perto, desde Wolfsburg, o desenvolvimento dos carros nos EUA, mas não há registro de que Hoppen era o responsável por esta supervisão. Mas devido a suas relações com a fábrica, é provável que ele tenha sim mantido a sede na Alemanha atualizada sobre os maus resultados e o fraco desempenho dos carros. Na ocasião, a VW também não tinha uma política oficial de apoio ao automobilismo, o que mudaria em pouco tempo.
A Volkswagen então determinou expressamente que seu nome não deveria estar associado ao projeto que, a princípio, começou apenas como uma iniciativa pessoal de Hubert L. Brundage. Foi quando o americano desistiu do plano e vendeu seus carros por apenas um dólar para dois visionários: George Smith, um coronel reformado da Força Aérea americana, e William “Bill” Duckworth, dono de uma oficina mecânica em Orlando.
Nos anos seguintes, Smith e Duckworth desenvolveram os carros com mecânica Volkswagen e conseguiram implantar e popularizar a categoria. A FVee foi oficialmente criada nos EUA em 1964. De forma trágica, Hubert L. Brundage morreu no mesmo ano, num acidente de moto.
Com o boom da FVee, Josef Hoppen reapareceu não por acaso na história. Devido a seus conhecimentos em competições esportivas, a Volkswagen escalou o alemão para acompanhar de perto o crescimento da categoria nos EUA. Esta determinação é descrita por Bill Oursler, em publicação no portal Sports Car Pros.
Na época, tornaram-se populares competições de automobilismo disputadas em Nassau, nas Bahamas. Entre elas, foi criado o que era chamado de campeonato mundial de Fórmula Vee (FVee World Championship). Josef Hoppen foi nomeado diretor-técnico das provas da FVee nas Bahamas. Ele também assumiu o cargo de Diretor de Competições da VW América.
Mesmo assim, a Volkswagen, oficialmente, ainda não havia assumido seu papel como parceira ou patrocinadora da categoria. Os autores Frank Orthey e Thomas Kessler descrevem que a empresa trabalhava “por baixo da mesa” no apoio à FVee. Isso se dava através de uma premiação em dinheiro aos primeiros colocados nas provas, que vinha de concessionárias como a Volkswagen Pacific Inc. e a R.C. Johnson Co., ambas da Califórnia. Elas ofereciam prêmios de US$ 50 a US$ 150 aos pilotos. “Esta ação era vista de forma unânime como um reconhecimento oficial da Fórmula Vee pela VW América”, diz o livro dos autores alemães.
O sucesso nos EUA levou a Fórmula Vee para a Europa, e também para o Brasil (leia na parte 2 desta pesquisa). Ela chegou à Alemanha através de diretores da Porsche, após verem as seguidas derrotas de seus carros para os novos e econômicos bólidos de apenas 34 hp. A Porsche assumiu o desenvolvimento esportivo dos carros e a Volkswagen liderou a organização da operação.
A empresa exigiu exclusividade na importação dos modelos vindo dos EUA. Como ela mesma definiu: “prova de alta qualidade na fabricação de todas as peças da VW, adequadas aos mais altos padrões”, segundo publicou o jornal alemão Der Spiegel. A popularidade cada vez maior, porém, rompeu fronteiras e logo surgiram outros fabricantes em diversos países, como a Kaimann, na Áustria, que revelou Niki Lauda.
Um nome esquecido na história
No final dos anos 1960, Josef Hoppen se transformou no principal executivo da VW no Departamento de Veículos Especiais. Ele trabalhou no desenvolvimento de diversos carros de corrida e mais tarde foi decisivo na criação da Fórmula Super Vee, monopostos muito mais potentes do que os seus antecessores, inclusive com apêndices aerodinâmicos. Nesta fase, a VW teve papel decisivo, abrindo os cofres para o desenvolvimento das máquinas, promoção e até custeio de transmissões de provas pela TV.
Modelo original de um Fórmula Vee datado de 1965, em exibição no Museu Volkswagen, em Wolfsburg, na Alemanha (crédito: Museu Volkswagen).
E, como a Volkswagen reconhece a participação de Josef Hoppen na criação e desenvolvimento da Fórmula Vee? Simplesmente, nada.
De acordo com o departamento de patrimônio da VW, responsável pelo acervo do museu da fábrica em Wolfsburg, não há nenhum registro em seu arquivo de sistema ligado a Hoppen com a Fórmula Vee. Dr. Ulrike Gutzmann, responsável pela área de comunicação do acervo histórico da VW, informou que a empresa não dispõe de recursos para consulta mais aprofundada de seus arquivos. Mas que eles estão abertos à pesquisa, a quem se dispuser a mergulhar neste oceano de documentos. Em se tratando de uma empresa do tamanho da Volkswagen, com 83 anos de história, seria como procurar uma agulha num palheiro gigante. E sem garantia de que encontrará algo.
O Stiftung AutoMuseum Volkswgen tem em sua exposição um Fórmula Vee original, datado de 1965. O museu fica em Wolfsburg e é aberto ao público. O carro acompanha a seguinte descrição:
“Hubert L.Brundage, um esportista entusiasta e revendedor VW na Flórida, foi o primeiro a desenvolver um carro de fórmula baseado num Beetle (Fusca). Seguindo o grande sucesso da Fórmula Vee nos EUA, os novos carros de corrida com mecânica Volkswagen conquistaram a Europa anos mais tarde.”
Detalhe do cockpit do Fórmula Vee de 1965 (crédito: Museu Volkswagen).
Em sua seção de Motorsports, a Volkswagen destaca sua participação na Fórmula Vee como uma “categoria escola”. A empresa ainda promoveu eventos comemorativos, como em 2013, com os 50 anos do que considera a primeira prova disputada nos EUA, no circuito de Daytona, em 1963. A prova reuniu 40 carros.
Atualmente, os EUA reconhecem o trabalho de Hubert L.Brundage na criação da FVee. Ele está no Hall da Fama da SCCA (Sports Car Club of America) e a cada cinco anos acontece a Brundage Cup de FVee. Já o nome do alemão Josef Hoppen, alto executivo da Volkswagen e com presença marcante nos primeiros anos da categoria, simplesmente desapareceu da história.
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