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Os segredos e mistérios da Volkswagen na criação da Fórmula Vee - Parte 2

Os segredos e mistérios da Volkswagen na criação da Fórmula Vee - Parte 2

Após forte apoio na criação da FVee no Brasil, Volkswagen abortou novos projetos. 
Fábrica alemã esteve ao lado da família Fittipaldi na construção do carro mais vitorioso da categoria, mas,
no seu relançamento, preferiu adotar o “distanciamento social”.

Por Fernando Santos

 

A Volkswagen teve um papel decisivo na implantação da Fórmula Vee no Brasil. A montadora não foi responsável diretamente por criar a categoria em 1967, mas deu todo o apoio necessário para consagrar o carro mais vitorioso na primeira fase da FVee no país. Depois, no seu relançamento, em 2011, a fábrica alemã preferiu o “distanciamento social”, para usar um termo dos tempos atuais.

Na metade dos anos 1960, o Fitti-Vê nasceu de uma das mais tradicionais famílias do automobilismo nacional. Eles já eram conhecidos há muito tempo, a começar pelo seu patriarca, o Barão Wilson Fittipaldi. Ele foi piloto, dirigente e promotor de provas. Mas se destacou principalmente como narrador esportivo na rádio Pan-Americana (atual Jovem Pan) e também na TV Bandeirantes.

O sucesso na Fórmula Vee foi graças a seus dois filhos. A começar pelo mais velho, Wilson Fittipaldi Júnior. Wilsinho levou adiante o dom que descobriu ainda adolescente para construir e preparar carros. Antes mesmo de atingir a maioridade, ele já cuidava de seu próprio kart. Os bons resultados atraíram amigos e outros competidores a frequentarem a oficina da família Fittipaldi.

 

Emerson Fittipaldi em prova com o Mini Kart, primeiro veículo de competição construído por seu irmão, Wilsinho (crédito: reprodução site Nobres do Grid), seguido da imagem de Wilsinho Fittipaldi na apresentação do primeiro Fitti-Vê, que se tornou o carro mais vitorioso da história inicial da Fórmula Vee no Brasil (crédito: revista Auto Esporte).

 

 

A reputação como preparador evoluiu para a criação de uma fábrica própria: nascia o Mini Kart. Anos depois, ao voltar de uma viagem à Europa, Wilsinho trouxe um volante de carro que havia gostado e que passou a ser cobiçado por outros pilotos. Resultado: começou a produzir em série o volante que recebeu o nome de “Fórmula 1”. Na época, ele também já estava entre os principais pilotos do país e competia com uma Berlineta na renomada equipe Willys.

 

 

Segredos revelados

O passo seguinte que levaria ao sucesso da família Fittipaldi na Fórmula Vee aconteceu novamente na Europa, com uma escala em Buenos Aires. Wilsinho participou de uma corrida de Fórmula 3 na Argentina, onde o automobilismo estava vários passos à frente do Brasil. Juan Manuel Fangio já tinha conquistado seus cinco títulos na F1. Mas a incursão argentina não resultou em progresso. Percebendo a nova oportunidade que surgia no Brasil, Wilsinho pegou o avião novamente.

Wilson Fittipaldi Jr foi até o Automóvel Club da Alemanha, que imediatamente o colocou em contato com a Porsche – a responsável pelo departamento de competições da VW. Wilsinho voltou da Alemanha com o projeto original de um Fórmula Vee na bagagem. Além da tradição da família no esporte a motor, outro fator pesou nesta escolha: a Volkswagen tinha enormes interesses comerciais no Brasil, onde já era a principal montadora do país e acabara de instalar sua fábrica em São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo.

Além do projeto original, que fez toda a diferença, Wilsinho passou a ser abastecido com motor, câmbio, suspensão, rodas, freios, enfim, todas as peças originais VW de que necessitava. Os equipamentos eram retirados na revendedora Dacon, que havia aberto suas portas em 1964. A concessionária, que também passou a fabricar carros anos depois, funcionou até 1996. Ela ficava instalada num edifício icônico na esquina das avenidas Cidade Jardim e Faria Lima, em São Paulo, que mantém seu nome até hoje. 

 

Anúncio na década de 1970 sobre os volantes fabricados pela família Fittipaldi (reprodução de Internet), seguido da imagem de painel de propaganda da concessionária Lemar-VW em prova de Fórmula Vee em Interlagos, em 1967 (crédito: reprodução portal Lorena GT).

 

 

Domínio nas pistas

O apoio da VW foi decisivo para Wilsinho construir o carro mais vitorioso da história inicial da Fórmula Vee no Brasil, disputada de 1967 a 1970. Os carros saíram da fábrica de kart da família. Com os projetos entregues pela montadora diretamente da Alemanha, os bólidos dos Fittipaldis eram muito mais avançados diante dos demais fabricados no Brasil. Sua maior diferença estava no chassi mais estreito e rebaixado, o que dava um efeito aerodinâmico bem maior em relação à concorrência.

Ao todo, os Fitti-Vê venceram 16 (metade) das 32 provas disputadas na época, segundo levantamento do portal Lorena GT, que oferece o maior acervo histórico dos primeiros anos da categoria no país. O sucesso também se deve a seu mais famoso piloto: Emerson Fittipaldi, que se consagrou campeão da primeira temporada da categoria no país e a partir daí dispensa maiores comentários: bicampeão da Fórmula 1, campeão na Indy e bicampeão nas 500 milhas de Indianápolis.

Outro nome histórico a correr com o Fitti-Vê foi José Carlos Pace, o primeiro brasileiro a vencer uma prova de F1 no país, em Interlagos, em 1975, com Emerson em segundo. Esta foi a primeira dobradinha brasileira na história da categoria.

Anos mais tarde, Wilsinho e Emerson levaram adiante sua experiência com a mecânica VW ao criar o que ficou conhecido como um monstro: o Fusca de dois motores, que usava parte do chassi de um Fitti-Vê na traseira. O carro alcançou incríveis 260 cavalos de força e foi a sensação na prova dos 1.000 km de Jacarepaguá, no Rio, em 1969. A invenção dos Fittipaldis superou máquinas importadas como GT40 e Lola T70 no treino de classificação. Mas a quebra do câmbio levou ao abandono da prova, como relatou a revista Quatro Rodas.

Wilsinho, que começou fabricando karts e volantes até chegar a montar um FVee, teve seu auge na carreira ao criar a única equipe brasileira na história da Fórmula 1, a Copersucar-Fittipaldi (1975-1982). Ele também correu na F3, F2 e na F1 pela Brabham.

 

 

Primeiro carro saiu de uma garagem no Morumbi

O Fitti-Vê, porém, não foi o primeiro carro da categoria fabricado no Brasil. Este mérito se deve a três outros amantes do automobilismo. Alexandre Freitas Guimarães, o Gordo, preparador de carros numa pequena oficina no Morumbi, em São Paulo, montou o primeiro Fórmula Vee nacional com base no projeto da empresa americana Autodynamics, com o apoio de dois outros pioneiros: Silvano Dalle Mole e Carlos Eduardo Maluf Estefno. Eles construíram o Aranae. Ao todo, conquistaram oito vitórias (atrás apenas do Fitti-Vê), incluindo aquela que foi considerada a prova mais emblemática, os 500 km de Interlagos, em 1967.

Vale registrar que a Fórmula Vee chegou ao Brasil através de uma insistente campanha promovida pela revista Auto Esporte. O jornalista Matthias Petrich, brasileiro de família alemã, era correspondente na Europa e foi o responsável pelas reportagens que mostravam o surgimento de uma nova, próspera e barata categoria no automobilismo.

A campanha da Auto Esporte coincidiu com um período turbulento no automobilismo brasileiro. No início dos anos 1960, o país dispunha de carros ultrapassados e, acima de tudo, inseguros. Vários acidentes fatais foram registrados na época. Além disso, a importação de carros e peças e a preparação eram extremamente caras. A FVee nascia como uma solução para reerguer o automobilismo nacional, que na década anterior havia levado Chico Landi para a Fórmula 1.

Esta campanha inspirou a criação do Aranae, do Fitti-Vê e de vários outros modelos. Mas a categoria durou menos do que quatro anos. O desenvolvimento de carros melhores no automobilismo mundial e problemas internos, como o fechamento de Interlagos para reformas, levaram ao colapso da Fórmula Vee no Brasil. Na ocasião, outra gigante montadora, percebendo o mercado promissor das corridas, surgia com uma categoria mais potente e atrativa: a Fórmula Ford, com o forte apoio vindo diretamente de Detroit.

O Brasil ainda assistiu ao surgimento da Fórmula Super V na metade dos anos 1970, com a participação de pilotos como Nelson Piquet (tricampeão na F1) e Ingo Hoffmann. Como em outros países, a VW abraçou de corpo e alma a Super V, até mesmo como resposta à Fórmula Ford. Mas a FVee, com sua essência de uma categoria simples e barata, ficou esquecida e só foi retomada quatro décadas depois.

 

 

O renascimento e projeto abortado pela VW

Em 2011, em meio a mais uma crise no automobilismo nacional, o engenheiro civil Roberto Zullino relançou a Fórmula Vee no Brasil. Os carros, em pleno século 21, ainda utilizavam a antiga suspensão dianteira do Fusca e eram parecidos com os modelos originais dos anos 60. Tudo com a intenção de reviver uma categoria popular e barata.

 

O então recém-lançado Fórmula Vee, em 2011, construído pelo engenheiro Roberto Zullino (crédito: Claudio Larangeira).

 

 

Zullino construiu o chassi tubular Naja, utilizado até os dias de hoje. O câmbio era da Kombi, o que no futuro se tornou um dos principais problemas, devido às excessivas quebras pelo frágil ajuste com a suspensão traseira. Peças de Brasília também faziam parte do projeto. A principal alteração estava no motor, que seguiu sendo do Fusca, mas agora mais potente, 1600 a ar. Anos depois, mudou para o motor do Fox 1.6, mas agora refrigerado a água. A gasolina foi trocada pelo etanol.

A Volkswagen, sem projetos no automobilismo, não teve participação no relançamento da categoria no Brasil. A apresentação oficial foi feita na pista de testes da Pirelli, em Sumaré (SP), com apoio da Mobil. Meses após a primeira prova, a publicação oficial da montadora, a Revista V, fez uma reportagem sobre a volta da FVee ao país. Em seguida, o departamento de marketing da VW chegou a avaliar algum tipo de ação, mas nada foi feito.

Anos mais tarde, Wilson Fittipaldi foi chamado de volta para ser consultor técnico da FVee. Ele levou junto o projetista Ricardo Divila para desenvolver melhorias nos carros de Zullino. Os dois parceiros, que se conheciam desde a juventude, montaram o Fusca de dois motores e chegaram juntos à F1, concentraram-se em três pontos principais: suspensão, câmbio e motor.

 

O projetista Ricardo Divila conversa com Wilsinho Fittipaldi no projeto de melhorias no FVee (crédito: Claudio Larangeira). Na imagem à direita, o engenheiro Roberto Zullino com Wilsinho Fittipaldi, em Interlagos, durante prova do Campeonato Paulista de FVee, em 2017 (foto: Fernando Santos).

 

 

Após os primeiros passos neste projeto de reformulação, surgiu a proposta de utilização de um motor que chegava com sucesso ao mercado: o propulsor do UP TSI 1.0 Turbo. Com o novo equipamento, os carros ganhariam aproximadamente 50% de potência, passando dos atuais cerca de 90 hp para cerca de 140 hp.

Com Wilsinho à frente do plano de ação, iniciaram-se contatos para desenvolver o novo Fórmula Vee. A VW abriu suas portas para contribuir no desenvolvimento do novo carro, mas o projeto ficou no papel e não evoluiu, principalmente por questões técnicas ligadas ao motor do UP e seus componentes ultraeletrônicos. Wilsinho e Divila desistiram do novo propulsor, mas não das demais melhorias.

O novo FVee sonhado por um de seus criadores originais avançou, com a categoria agora gerenciada pelo empresário Flávio Menezes, através da F/Promo Racing. Com investimentos próprios e sem nenhum apoio externo, os carros ganharam uma nova suspensão traseira independente e o câmbio de cinco marchas do Gol. O motor continuou sendo o do Fox 1.6, assim como a suspensão dianteira, que remete à era Pré-Histórica da FVee. Foram adicionados ainda modernos módulos de injeção eletrônica e controle de telemetria por GPS.

Mesmo com todas essas mudanças, a categoria esforçou-se para manter suas raízes, sem deixar os custos explodirem. Hoje, a FVee no Brasil concentra seus carros na equipe F/Promo, reduzindo as despesas de manutenção e transporte. Os pilotos, amadores, podem alugar os veículos por corrida ou temporada, deixando o investimento mais barato do que se tivessem de manter uma estrutura profissional de preparação individual. E seguem com o mesmo espírito competitivo e desafiador dos primeiros competidores de quase 60 anos atrás.

 

 

 

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